Descarte de plástico: Cariri precisa de infraestrutura para reciclar mais e evitar efeitos como “plastificação” das rochas











 




Estudos revelam que material descartado no meio ambiente está “plastificando” rochas_

O plástico, material muito presente na vida contemporânea, é produzido a partir da refinação do petróleo – combustível fóssil que representa um dos maiores desafios ambientais do século, em todo o mundo. No Brasil, quarto maior produtor global de lixo plástico, a gestão desse resíduo é crítica.

Dentre os inúmeros impactos ambientais causados pela produção e descarte em exagero do material está o plastiglomerado, fenômeno descoberto recentemente e que está relacionado à interferência humana nos sistemas ambientais. O tema permeia o estudo do professor, pesquisador, Doutor em Geologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e pós-doutorando pelo Programa de Extensão da Educação Superior na Pós-Graduação (PROEXT-PG) da CAPES, atuando na Universidade Regional do Cariri (URCA), Rafael Soares. Segundo ele, o plástico cria um novo tipo de detrito sintético ao se fundir, devido ao calor de queimadas em lixões, por exemplo, aderindo a detritos naturais como areia, conchas e rochas.

“Como é de difícil degradação no meio ambiente, o plástico pode atuar como elemento cimentador dos sedimentos. Isso acontece devido ao derretimento do plástico. A gente está vivendo um momento de aquecimento global e isso favorece o derretimento de plástico. A própria interferência humana, por exemplo, quando alguém faz uma queimada num local onde tem lixo plástico, ele vai derreter e começar a atuar nesse processo”, explica o pesquisador.

No Cariri ainda não foram encontradas rochas plastificadas, mas há uma pesquisa em andamento no Laboratório de Geomorfologia e Pedologia (GEOPED), da URCA. O professor explica que nas pesquisas de campo, já se identifica visualmente a contaminação de solos e que é questão de tempo e mais pesquisas para identificar a presença do plástico no ciclo dos solos e até das rochas no Cariri. “Certamente vai ser encontrado porque a entrada de plástico nos sistemas ambientais, especialmente na formação de rochas, está condicionada ao aquecimento. Nós já vivemos numa região em tese quente, um clima semiárido potencializado pelas dinâmicas do aquecimento global, é fácil de imaginar plástico sendo depositado em locais inadequados e, dentro da natureza, esses materiais derreterem e virarem cimento de rocha. Locais onde tenhamos lixões depositados em espaços inadequados e os leitos de rios são locais interessantes de serem investigados, aqui, na nossa região”, ressalta Rafael.

Além de incorporar as formações rochosas, o plástico se infiltra na composição dos solos e na cadeia alimentar, afetando os animais e também os seres humanos. “O plástico se fragmenta, constituindo o que a gente chama de microplástico. Essas micropartículas vão, sim, ser absorvidas pelo solo, entrar na cadeia alimentar, porque vão entrar no fluxo de nutrientes fornecidos para as plantas, os animais consomem essas plantas e nós, humanos, consumimos, a carne de animais que estão contaminados com microplásticos”, detalha. Rafael Soares explica, ainda, que muitos estudos apontam a presença de microplásticos na água utilizada na irrigação de produtos da agricultura e até na água ingerida. 

*Números que instigam mudanças* 
Dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) indicam que mais de 400 milhões de toneladas de plástico são produzidas por ano em todo o mundo, e metade deste plástico é projetado para ser usado apenas uma vez. Desse total, menos de 10% é reciclado. Ainda de acordo com estudos do Programa, a adoção de uma economia circular pode reduzir o volume de plásticos que chegam aos oceanos em mais de 80% até 2040. 

No Brasil, de acordo com um estudo anual encomendado pelo Movimento Plástico Transforma, o índice geral de reciclagem mecânica para embalagens plásticas pós-consumo alcançou 21%, enquanto o índice de recuperação de embalagens chegou a 28,7%, em 2024. O estudo apontou um crescimento de 7,8%, comparado com o ano de 2023. 

No desempenho por região, o Nordeste ganhou destaque pelo crescimento de 16,6% no índice de reciclagem, comparado com 2023. O Sudeste teve um crescimento de 9,5% e o Sul, de 3,6%. As demais regiões tiveram quedas significativas no volume de produção de plástico reciclado: -8,1% no Centro-Oeste e -6,1% no Norte.

O país segue na busca para ampliar os índices de reciclagem de plástico. O setor tem intensificado a adoção de práticas de economia circular, fomentando desde o ecodesign, que facilita a reciclabilidade das embalagens, até o fortalecimento da logística reversa e a integração socioeconômica de catadores e cooperativas, garantindo que o resíduo retorne ao ciclo produtivo como matéria-prima.

*A visão de quem está na linha de frente*
A reciclagem do plástico começa na separação do lixo e passa pelo trabalho fundamental dos catadores de materiais recicláveis. Diomar Rodrigues, catador que atua na cidade do Crato, sabe exatamente o que tem valor no mercado. “Hoje, o que dá mais lucro é o material da cadeira de plástico, que vale R$ 2 o quilo. Depois, vem o PET, tem canto que compra da gente por R$ 1, outros cantos, por menos”, calcula. Segundo ele, as tampas de garrafas PET são vendidas separadamente por serem feitas de outro tipo de plástico. Nesse contexto, a separação correta dos resíduos, começando dentro das casas de cada cidadão, beneficia o meio ambiente e facilita o trabalho dos catadores. 

*Como avançar na reciclagem*
O processo de reciclagem do plástico é possível, mas não é perfeito, segundo aponta a engenheira ambiental Hellen Sousa, mestranda em Meio Ambiente pelo Instituto Federal do Ceará (IFCE) em Juazeiro do Norte. “A cada novo ciclo de reciclagem mecânica, o plástico tende a perder a qualidade porque os aditivos são removidos e as propriedades vão se degradando com o tempo. Isso faz com que o material reciclado, muitas vezes, seja menos resistente e tenha qualidade inferior em comparação ao plástico virgem”, explica a pesquisadora.

A engenheira explica, ainda, que a economia circular é uma alternativa promissora, especialmente na região do Cariri. “Ela pode ser aplicada por meio da coleta seletiva, do fortalecimento da reciclagem industrial, do apoio às cooperativas de catadores e da valorização dos resíduos como matéria-prima para novas cadeias produtivas locais, como a fabricação de móveis, componentes para construção civil e até peças de arte popular”, lista Hellen. 

Para ela, o modelo de economia circular tem grande potencial de geração de renda ao unir a promoção da inclusão social com a redução dos impactos ambientais, apesar das limitações de infraestrutura. “O maior obstáculo ainda é a falta de estrutura para coleta e triagem dos resíduos, aliada à ausência de educação ambiental e à pouca conscientização da população sobre a importância da separação e destinação adequada dos resíduos”, explica.


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