Procon alerta para riscos ao consumidor com fusão entre Gol e Azul

 



A negociação em curso entre as companhias aéreas Gol e Azul, que pode resultar na criação de um dos maiores conglomerados da aviação civil brasileira, acendeu o sinal de alerta entre órgãos de defesa do consumidor e especialistas em concorrência. Um relatório elaborado pela Fundação Procon-SP foi encaminhado neste mês aos principais órgãos reguladores do setor, incluindo o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), apontando os “potenciais impactos à livre concorrência” e ao bem-estar dos usuários do transporte aéreo no Brasil.

O documento, obtido com exclusividade, foi produzido a partir de uma consulta pública com representantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, entidades da sociedade civil e especialistas acadêmicos. As conclusões revelam forte preocupação com o desequilíbrio que a fusão poderá provocar no mercado nacional de aviação, sobretudo pela concentração de mercado e seus efeitos sobre os preços, as rotas e a qualidade dos serviços.

Segundo dados da Anac citados no relatório, a nova empresa passaria a deter cerca de 62% do mercado doméstico, o equivalente a 57,5 milhões de passageiros transportados. A operação criaria um duopólio de fato com a Latam, comprometendo o ambiente competitivo e fragilizando o poder de escolha dos consumidores. Em alguns aeroportos estratégicos, como Campinas (SP), Confins (MG) e Recife (PE), a participação da empresa resultante da fusão superaria 80% dos voos, chegando a praticamente 100% no terminal de Viracopos.

Cenário
Especialistas consultados pelo Procon-SP foram unânimes ao apontar que a experiência de fusões anteriores no setor aéreo demonstra efeitos colaterais previsíveis: alta nos preços das passagens e redução de rotas. A jurista Lucia Ancona Lopez de Magalhães Dias, doutora pela Faculdade de Direito da USP, reforça essa análise ao afirmar que “as previsões empíricas e de casos análogos anteriores apontam no sentido de inevitável aumento de preços ao consumidor final e redução de oferta de rotas”. Ela alerta que os efeitos concretos da operação não se manifestariam em audiências do Cade, mas nos balcões dos Procons, onde as reclamações por problemas em voos, atrasos e tarifas abusivas se acumulam diariamente.

Outro nome citado no relatório, o ex-conselheiro do Cade Cleveland Prates Teixeira, avalia que a concentração tende a facilitar condutas anticompetitivas. “Quanto maior o porte da empresa, maior a facilidade de coordenação com concorrentes e mais difícil a entrada de novos players no mercado”, destaca. Para ele, a consolidação no setor aéreo prejudica a inovação, desestimula melhorias no atendimento e torna o consumidor refém de poucas opções.

A coordenadora de estudos do Procon-RJ, Flavia Lira, reforçou três riscos diretos: a eliminação de rotas sobrepostas hoje ofertadas pelas duas companhias; o aumento das tarifas em mercados com pouca concorrência; e a deterioração da qualidade dos serviços. Esses mesmos pontos foram ecoados por Maria Luiza Targa, diretora do Instituto Brasilcon, que classificou o cenário como um “retrocesso nas relações de consumo”. O alerta também chegou aos corredores do governo. O ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, que já havia sinalizado flexibilidade em relação à proposta de fusão no ano passado, adotou postura mais crítica neste mês.

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